Ínclitos

É preciso coragem para se comprometer, para dizer o que se vê e o que se sente, sem medos nem manuais. Só vale a pena ser jornalista se for – como cantou Torquato Neto – para "desafinar o coro dos contentes". Fernando Evangelista

Que antidemocracia?

Foto: Alex Silva/Estadão

Foto: Alex Silva/Estadão

 

Por Andrey Lehnemann

Há múltiplos pontos de vistas que podemos tecer sobre a política de desmoralização que ocorria em São Paulo até os acontecimentos da quinta-feira, 13, e acerca das manifestações que ocorrem em grande parte do país, que agora até o mais limitado intelectualmente sabe que não se trata de um novo aumento na tarifa. Embora o foco esteja em cenários e estados diferentes, mantém-se os mesmos discursos pró-militarismo – esse grupo que só é lembrado quando a população o aclama por bater em supostos vândalos, geralmente estudantes – e a interferência do monopólio midiático junto aos já exaltados partidarismos em mais uma manifestação legítima. O “atenuante” de ontem foi reconhecer que a esquerda brasileira não aceitou a brutalidade policial e reconhece a omissão de seu prefeito eleito.

Quando Haddad e Alckmin se uniram em um mesmo discurso, infelizmente, não era motivo para celebrar a esquerda e direita se unindo num único ideal, mas a ultrajante conclusão de ambos os lados aplaudir a repressão policial nas ruas e incitar o ódio a estudantes constantemente chamados de vândalos em movimentos democráticos. No dia em que editoriais eram publicados requisitando maior força de ataque da polícia militar – isso mesmo! – a noite não poderia ser de muita expectativa. Nem mesmo quando estudantes desarmados ofereciam flores e gritavam paz nas ruas, os policiais deixaram passar em branco a ordem de bater em quem estivesse na frente – incluindo, vejam só, jornalistas que trabalhavam para os mesmos veículos que achavam a PM branda demais.    

Querendo ou não, em qualquer parte do país, o movimento Tarifa Zero nunca foi bem recebido: afora a força estudantil, governantes e empresários acabavam tendo que enfrentar a oposição contra seus benefícios estipulados nas novas propostas, que afetavam muito mais a classe trabalhadora. Além disso, a maneira de evitar esse aspecto era única: ordenar PMs a prender e atacar qualquer um que estivesse em sua frente – o que não foi tão evidente nas últimas feitas em Florianópolis por falta de manifestantes e pelo caráter que as sequelas de 2005 deixaram na população. Contudo, sempre claríssimo na maneira de agir dos policiais, nitidamente despreparados para lidar com esse tipo de situação, quando saíam literalmente à caça.

O que hoje acontece no Brasil é um retrato de uma população que cansou de apanhar, que cansou de favorecimento empresarial e quer que as coisas mudem. No ano de 2005, o meu amigo, professor e colega, realizou um documentário chamado Amanhã Vai Ser Maior. Espero que esse seja o começo desse futuro. As manifestações que surgem em Porto Alegre, Alagoas, Goiânia, Rio de Janeiro, São Paulo e, em breve, Florianópolis poderão ser vistas como o grande ponto de ebulição do basta. É tempo de mudança. E essa mudança, talvez, começará quando a população também observar que os que mais levantam a bandeira de acusação da antidemocracia, às vezes, são os mais antidemocráticos.  

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